Felipe Prestes

Com lucro líquido de R$ 73 milhões, em 2017, e uma estrutura enxuta, com apenas 124 funcionários, a Sulgás está no pacote de privatizações enviado pelo governador Eduardo Leite à Assembleia Legislativa. Para quem representa trabalhadores da companhia, a venda de uma empresa tão bem-sucedida não deixa dúvidas: “A Sulgás é o melhor exemplo de que se trata de ideologia pura privatizar”, afirma o diretor de negociações coletivas do Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul (SENGE), Diego Oliz. 

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O Governo do Estado reconhece os méritos da Sulgás:  “Está bem, com saúde financeira boa, número de funcionários adequado, podendo até ampliar”, diz o secretário estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura, Artur Lemos. No entanto, defende que a empresa, criada em 1993 para comercializar gás natural em solo gaúcho, não tem conseguido se expandir por todo o Rio Grande do Sul. “Ela está há 26 anos prestando serviço, em uma concessão de 50 anos, ou seja, já passou metade da concessão, e ainda está restrita no eixo Serra-Região Metropolitana. A gente sabe que não basta construir um gasoduto que os clientes virão, mas a gente tem dificuldade de entender que mercados como o do Vale do Rio Pardo, da Região Sul não tenham apelo de recepção deste insumo, que está em voga para a utilização em indústria”. 

Extraído do subsolo, o gás natural pode ser utilizado por indústrias, residências e como combustível automotivo. Embora tenham utilização parecida, o gás natural é diferente do gás liquefeito de petróleo (GLP), que é transportado em botijões. O gás natural, por sua vez, é encanado. Boa parte do que é distribuído pela Sulgás vem da Bolívia. 

Artur Lemos. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Um dos obstáculos, que o próprio secretário aponta para a expansão da Sulgás, é a quantidade limitada de gás proveniente do país andino. “E ela (a Sulgás) não buscou soluções. Ela podia ter trabalhado, por exemplo, em parceria com alguma empresa para fazer uma térmica. Poderia também ter trabalhado em parceria com um dos seus consumidores, por exemplo, a Braskem, de botar um terminal de gaseificação trazendo esse gás por barcaças. Da mesma forma poderia ser mais célere na produção de biometano, que agora conseguiu lançar o edital para aquisição. A gente entende o seguinte: para a gente conseguir universalizar – quando eu digo isso é chegar ao máximo de indústrias, residências e comércios possíveis – ela tem que ter apetite comercial. E nos preocupa este apetite comercial”, afirma Artur Lemos. 

A presidente da Associação dos Servidores da Sulgás (Assulgás), Sandra Paravisi, aponta incoerências no discurso do Governo. A primeira delas diz respeito ao fato de que a Sulgás é uma sociedade de economia mista, na qual o Estado tem 51% e a Gaspetro (formada pela Petrobras e pela japonesa Mitsui) possui 49%. A diretoria técnica fica a cargo da Gaspetro. “Como a Gaspetro não vai vender sua parte, as decisões técnicas continuarão sendo gerenciadas do mesmo jeito”, ressalta. 

A funcionária da Sulgás acrescenta ainda que, em abril deste ano, a empresa realizou uma chamada pública, em conjunto com outras quatro companhias – COMPAGAS (Companhia Paranaense de Gás), GasBrasiliano (Gas Brasiliano Distribuidora), MSGÁS (Companhia de Gás do Estado de Mato Grosso do Sul), SCGÁS (Companhia de Gás de Santa Catarina) – para a aquisição de gás natural e foram recebidas 51 propostas, de 15 empresas diferentes, o que vai permitir a expansão da oferta de gás no Estado.  “Então não existe essa restrição”, conclui. 

“A grande justificativa do Governo é de que não teria capacidade de amplificar essa rede para o resto do Estado, atingindo polos importantes como Panambi, Santa Rosa, outras regiões que teriam polos mecânicos pesados. Só que investimento se busca. E a Sulgás tem essa capacidade, porque tem patrimônio. Ela tem uma capacidade de se auto-financiar”, concorda Diego Oliz, diretor do SENGE. 

Instalações da Sulgás pelas ruas do Centro Histórico. Foto: Luiza Castro/Sul21

Equilíbrio na tarifa 

Sandra Paravisi explica que a Sulgás tem se expandido com cautela, para evitar que a tarifa suba demais, e essa expansão deixe de ser competitiva. “Existe um ponto de equilíbrio, porque os investimentos encarecem a tarifa, tem que manter a tarifa competitiva. Por exemplo, se formos investir em Santo Ângelo, o investimento para chegar lá com gasoduto é muito alto. Tem demanda para chegar lá com um alto custo? Ou se chegar com um preço alto as pessoas não vão utilizar?”, questiona. “E todo ano o orçamento é aprovado pelo Governo do Estado. Então, é estranho”.

O equilíbrio apontado pela representante dos servidores da Sulgás se perdeu em outros estados. No início deste ano, a indústria de São Paulo se mobilizou contra um aumento de, em média, 35% no gás natural fornecido por empresa de controle privado e aprovado pela agência reguladora em fevereiro deste ano. A FIESP qualificou o aumento como uma afronta. Finalmente, a federação conseguiu baixar o reajuste para 23%. No Rio de Janeiro, um estudo da Firjan constatou que o preço do gás natural, também fornecido pela iniciativa privada, subiu 98% nos últimos dois anos, “gerando custo de R$ 1,6 bilhão para consumidores de gás fluminenses, colocando em risco pelo menos 40 mil empregos diretos industriais”. 

Um dos poucos estados a passar a distribuição de gás natural para a iniciativa privada (a maioria dos estados segue o modelo da Sulgás, com 51% das ações nas mãos do Governo) o Rio de Janeiro vê a CEG, empresa que opera em solo fluminense, aparecer como a tarifa mais cara nos segmentos residencial e comercial e a segunda mais cara no ramo industrial, segundo os dados mais recentes do Ministério de Minas e Energia (dados de março deste ano do Boletim Mensal de Acompanhamento da Indústria de Gás Natural). A Sulgás se destaca como a tarifa mais barata no setor automotivo (o valor no boletim aparece errado, com a Sulgás como uma das mais caras, mas o Ministério de Minas e Energia reconhece o erro) e a segunda tarifa mais barata do país para as indústrias. Nos segmentos comercial e residencial aparece com preços intermediários. Sociedades de economia mista, como a Copergás, de Pernambuco, e a SCGás, também aparecem como destaques, oferecendo preços baixos em todos os segmentos. 

Valor estratégico 

 Para a presidente da ASSULGÁS, a companhia, para além dos serviços que presta, possui papel estratégico para o Estado. Ela exemplifica citando o desenvolvimento da produção de biometano, gás gerado a partir de resíduos agrossilvopastoris, como cascas de frutas e de ovos. Esse projeto se deu em uma parceria da Sulgás com uma cooperativa de Montenegro; . “Só pela questão do lucro isto não aconteceria”, garante Sandra Paravisi.  

A venda da Sulgás, conforme Paravisi, pode também causar danos à economia gaúcha. “O lucro da Sulgás fica no Estado, fica girando a economia gaúcha. Privatizar é mandar dinheiro para fora”, acrescenta. 

Marco legal 

Caso a Assembleia Legislativa autorize a venda da Sulgás, o Governo do Estado vai encaminhar um segundo projeto com um marco regulatório para a distribuição de gás no Rio Grande do Sul. O secretário Artur Lemos entende que um dos problemas da empresa estatal é não estar submetida a uma agência de regulação. “Mantendo a atual estrutura e apenas transferir para o privado não é a solução. Tem que ter regulação, fiscalização. Então, sendo transferido o controle acionário, a agência reguladora (AGERGS) passará a fazer a regulação e fiscalização deste serviço. Hoje tem essa dificuldade, o Estado cobrar dele mesmo fazer investimentos de expansão de recursos que não dispõe”, afirma. 

Já há uma minuta deste marco regulatório com o Governo do Estado, que analisa o melhor momento de protocolar o projeto na Assembleia. “Foi um marco exaustivamente debatido, foram feitas duas consultas públicas, algumas contribuições foram aceitas, outras não”, relata Lemos. “Vamos pegar um exemplo como São Paulo, onde a agência reguladora diz ‘você vai investir R$ 10 bilhões nos próximos cinco anos para expandir a rede de gasodutos’, explica o secretário. Porém, conforme demonstrado, São Paulo tem convivido com aumentos abusivos do gás natural, apesar da regulação externa. 

Foto: Luiza Castro/Sul21

Contexto nacional 

Para o diretor-financeiro do SENGE, Luiz Alberto Schreiner, a venda da Sulgás está vinculada à conjuntura nacional. A Petrobras acaba de vender, por R$ 33 bilhões, a Transportadora Associada de Gás S.A. (TAG) para o consórcio formado pela franco belga Engie e pelo fundo canadense Caisse de Dépôt et Placement du Québec (CDPQ). “O Governo Federal quer vender toda a malha de distribuição de combustíveis e um dos reflexos disso foi o julgamento do STF, que aprovou a venda da TAG. A Sulgás é um apêndice dessa rede e os privados não querem uma estatal nesse ramo de negócios. A empresa que a adquirir a TAG vai querer o mercado de distribuição inteiro”, vaticinou Schreiner, antes mesmo de concluída a venda. 

E, de fato, menos de duas semanas depois da aquisição ser concluída, o Conselho Nacional de Política Energética aprovou uma resolução recomendando ao Governo Federal que dê incentivos aos estados para que eles “abram mão do monopólio” da distribuição de gás natural, além de recomendar que a Petrobras venda transportadoras e distribuidoras do produto. O Governo Federal diz que a medida pode baratear em até 40% o custo do gás natural no país, porém esta afirmação foi vista com reservas até mesmo pelo mercado.

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1 comentário

José Miguel Pinheiro Bittencourt · 28 de junho de 2019 às 14:15

A conversa do Senhor Secretário Artur Lemos não tem qualquer fundamento porque não são as Estatais as desinteressadas em procurar investimentos são os Governantes do Estado que não tem interesse porque as privatizações são de cunho ideológico. Atendem aos seus interesses e aos Empresários interessados na Área. Energia Elétrica e insumos(gás,petróleo,carvão,etc)sao os bens mais preciosos hoje. Rendem muito dinheiro e poder. Estamos cercados de espertalhões que vendem até a alma para conseguir seus intentos.

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